A torre moura

A torre moura

Se for para enquadrá-lo num gênero, o meu livro pode ser categorizado como um romance ensaio. Contudo, possui outras características que fogem ao escopo do romance. A sua estrutura narrativa adquire também a leveza e a condensação localizada de uma coletânea de contos. Traz mistério, enigmas e principalmente uma “nova velha forma” de entender o dilema humano, a sua problemática e como lidar com ele racional e razoavelmente. Moderniza ainda o estilo narrativo ao incorporar a linguagem e formato missivista da Internet. Isso o aproxima do público jovem, ou melhor, não causa estranheza de antemão a esses leitores pelo seu conteúdo mais filosófico.

Contudo, é um ensaio filosófico sobre o papel da dúvida como mola propulsora do conhecimento.  A Torre Moura evoca a imagem de uma construção feita por um povo que mereceu a condenação da cultura cristã ocidental através da desvirtuação de significado de termos como ateu, infiel, ímpio, incréu; fazendo-os conotar maldade, crueldade e incivilidade. Outros homens antes – não por sua religião, mas por seu modo de pensar – também foram qualificados pelos mesmos termos, porém com a conotação forçada para o lado da covardia, hesitação e niilismo. Estes pensadores adotavam uma postura filosófica que é conhecida como ceticismo. Levando em conta esse aspecto, pode-se traçar uma analogia através das confluências dos campos semânticos das palavras mouro e cético. A Torre Moura, então, simboliza um posto de observação avançado dos mouros, dos incréus, dos descrentes, dos incrédulos, dos céticos. Um ponto alto que emerge do domínio do paradigma vigente e privilegiado e lança uma linha de visada que amplia as perspectivas do conhecimento possível.

Com isso, esse ensaio tenta dar um passo além do chamado segundo Wittgenstein. Ele, em suas “Investigações filosóficas”,  conceituava a filosofia como a aptidão para formular perguntas pertinentes que não se deixam encerrar por respostas. O que eu proponho é nem mesmo dar perguntas prontas; mas suscitá-las através de estórias, fábulas que instiguem questionamentos. Por isso, a narrativa é propositalmente fragmentária, onde trechos esparsos dos eventos que pontuam a vida e a morte da protagonista montam um mosaico incompleto. Cada capítulo pode ser lido como um conto independente e sem nenhum encadeamento preferencial. A Internet é posta como uma metáfora para as interconexões humanas e novo ponto de apoio para as aspirações de transcendência. 

Partindo do mote de uma carta suicida virtual que circula por um ambiente não localizado, busco explorar a religiosidade latente da rede em suas várias facetas. Os vampiros surgem, então, como uma alegoria psicanalítica da analidade levada ao extremo, mostrando a importância desse desvio libidinal para a formação das religiões de massa. Deste modo, quando as lacunas puderem ser preenchidas pelo leitor, intuindo uma totalidade particularmente sua, talvez ele possa reconhecer Jó em Joyce, a personagem central da trama. No fim,  "A Torre Moura" não passa de um esforço de releitura e atualização do Livro de Jó.

A carta suicida de Joyce não só chega ao seu destinatário, o antigo amigo de faculdade Tadeu; mas a milhões de outras pessoas espalhadas pelo planeta. Tudo por um simples erro na hora de enviar a mensagem; ao invés de endereçar apenas em PVT para o seu amigo, mandou o texto em aberto para o grupo de discussão no qual ela o encontrou. Depois de uma longa e improvável jornada pelos mais recônditos meandros da Internet, esse e-mail pára nas vistas de um colunista de informática, o que lhe dá a idéia de fazer uma série de reportagens sobre o potencial místico e espiritual da grande rede para substituir os velhos esquemas de transcendência. Assim, ele começa por um site que incorporou o erro de Joyce como sua razão de ser; um espaço virtual onde a proposta é ficar aberto a todos os suicidas que quiseram divulgar suas últimas palavras. A partir daí, ele encontra a homepage de uma igreja católica que possui um confessionário automático, visita um cemitério onde o velório e o enterro são virtuais, assiste uma webcam voltada para Meca, clica em uma animação em flash que coloca seu pedido escrito numa das frestas do murro das lamentações, explora a página de uma seita de extraterrestres, se enfurna no universo virtual dos adoradores de vampiros e entrevista por videoconferência, via web, o divulgador de um grupo filosófico de origem romana.

Entremeada a estas narrativas, segue a estória pós-morte da própria Joyce. Ela se encontra num estado em que não tem nenhuma percepção de sua real condição. Acredita ainda estar viva e esquece dos últimos momentos de sua vida. Agora, transita entre os vivos e os vê de uma forma inusitada, onde cada ser humano porta um animal acorrentado em sua companhia. Todos as pessoas que vê estão escoltadas por um desses animais, o que a intriga é que ela mesma não está.

Através de um “link’ psíquico que se estabelece com seu amigo Tadeu, onde a carta suicida é o meio; Joyce é conduzida por ele numa jornada de conscientização e lembrança de sua vida e morte. Aos poucos, Tadeu lhe passa o significado e a função que os animais desempenham na psique humana. O processo precisa ser levado de forma sutil, sem que nada seja forçado e desencadeie uma reação contrária e de negação peremptória. Para que surta efeito, Tadeu envolve na trama o ex-namorado da moça e cria um enlace empático entre eles. Esse enlace é simbolizado por uma rosa vermelha que o namorado leva até o túmulo de Joyce. Essa rosa é a mesma que atrai a atenção de Joyce no gabinete de Tadeu, A Torre Moura, por sua formação mandálica. Um desenho espiralado que a hipnotiza, lançando-a num estado deslocado de consciência; onde compartilha as percepções e sensações de seu ex-namorado, sem se dar conta do fato. Até que a revelação, através de olhos alheio, lhe vem de maneira surpreendente.